Capítulo 7 – O Desafio
Autor: Petra Damião Duarte Silva e Rita Silva
Palavras-chave: formação profissional,inclusão, atividade em grupo, Síndrome de Crouzon
Citação: Silva, P. & Silva, R. (2023). O desafio. In M. Francisco, C. Tomás & S. Malheiro (Orgs.). 12 histórias educacionais: Ser diferente na diversidade. Práticas pedagógicas em contextos pouco visíveis. [Online]. LEAD, Universidade Aberta.
Incluir com criatividade e em grupo
Aquando do início da minha prática com a turma da Rita, fui informada da existência de uma “formanda com necessidades especiais”, tendo-me sido passada a informação de ser uma formanda “praticamente cega”, não havendo uma nomenclatura concreta que me permitisse avaliar as necessidades existentes. Devido à ausência de informação concreta, apenas na primeira sessão tive a consciência das necessidades da formanda, o que me levou a repensar a metodologia pré-definida para a dinamização das temáticas a trabalhar. Já em contexto de sala de formação, após uma conversa com a Rita, percebi que existiam algumas dificuldades ao nível da visão e da audição (sentidos importantes a considerar na adequação da prática pedagógica). A Rita tem Síndrome de Crouzon, o que constituiu um desafio na minha prática enquanto formadora, direcionando-me para um caminho de repensar as melhores estratégias a adotar. Decidi que a melhor opção seria efetivamente questionar a Rita sobre: os formatos e tecnologias de apoio utilizados, procurando conceber os conteúdos em formatos acessíveis para todos. Neste momento percebi que a Rita não utilizava leitores de ecrã, pois preferia ler sempre os documentos ao invés de ouvir a leitura. Quando questionada sobre o formato mais acessível, respondeu-me prontamente: “documentos word formadora”.
Enquanto discente da Licenciatura em Educação, a minha sensibilidade para a acessibilidade estava desperta, não tendo sido surpresa a resposta da Rita, no entanto, há sempre uma considerável diferença quando nos deparamos com situações práticas, onde somos conduzidos a repensar, implementar e concretizar estratégias que efetivamente funcionem. As primeiras sessões de formação (em parte devido à sua calendarização) decorreram com alguns “ajustes”, nomeadamente a transcrição do texto (originalmente preparado em PPT) para o documento Word (formato DOC), respeitando as margens da página (2,5cm vertical) uma fonte de letra acessível, não estilizada e sem serifa (a fonte usada foi Nunito tamanho 12), alinhamento do texto à esquerda, espaçamento de linhas de 1,5cm, uso de estilos para a organização de conteúdos, facilitando a navegação no documento, fundo limpo (sem marcas de água ou imagens), e a respetiva verificação da acessibilidade dos documentos no programa Word.
Unidade de formação: Comunicação Assertiva
A primeira UFCD (unidade de formação de curta duração) na qual tive a oportunidade de conhecer a Rita, versa sobre Comunicação Assertiva. Na dinamização desta unidade de formação foram realizadas diversas dinâmicas: debates, partilha de vivências e identificação de estilos comunicacionais.
Devido à minha inexperiência, reflito e confesso que nem todas as práticas foram efetivamente inclusivas, uma vez que nem todos os elementos participaram ativamente em todas as atividades propostas, situação que me indicou a necessidade de melhorar a escolha das dinâmicas a implementar mediante contextos pouco visíveis. Uma das dinâmicas que considero bem-sucedidas, e que por esse motivo partilho nesta obra foi o “telefone estragado”.
Dinâmica de comunicação: “O Telefone Estragado”
Instruções: A dinâmica do telefone estragado consiste em posicionar os elementos do grupo numa roda e uma pessoa transmite a mensagem ao ouvido da pessoa ao seu lado, esta por sua vez passa a mensagem ao ouvido do colega seguinte, sendo a mensagem transmitida a todos os elementos, de uma pessoa para a outra, até chegar ao último elemento do grupo. A última pessoa a receber a mensagem deve compartilhar o que ouviu em voz alta.
Objetivo geral: O jogo tem como objetivo geral comparar a mensagem original e a mensagem final, verificar se ocorreu alguma mudança ou distorção durante a sua transmissão.
Enquadramento: A dinâmica foi aplicada numa turma com idades compreendidas entre os 19 e os 54 anos, constituída por um grupo de 19 formandos, de diversas nacionalidades. O desenvolvimento da dinâmica, as competências identificadas e conclusões alcançadas constituiu 20% da avaliação sumativa da UFCD de Comunicação Assertiva. Para a realização da dinâmica foram selecionadas mensagens conhecidas (noticiadas recentemente e provérbios populares) e mensagens desconhecidas (algumas sem sentido, e contraditórias).
Mensagens selecionadas para a Dinâmica:
- “Inglaterra está de luto, morreu a Rainha Isabel II”
- “O rato roeu a rolha da garrafa do rei da Rússia”
- “O rei roeu a rolha da rainha do rato”
- “Está um lindo dia de chuva, o sol brilha intensamente arrefecendo os pés”
- “O Rei desertou, deixando o reino ao abandono, a rainha vive e com saúde e governará nos próximos 50 anos, na paz de Deus nosso senhor”
Objetivos específicos:
- Identificar os efeitos da comunicação interpessoal
- Reconhecer a possibilidade de ocorrência de distorção nas mensagens transmitidas entre diversas pessoas
- Como a própria interpretação pode condicionar a transmissão da mensagem
- Desenvolver habilidades de comunicação
- Fortalecimento do trabalho em equipa
- Promover a interação social
- Incentivar a colaboração entre os elementos do grupo
- Desenvolvimento do senso de humor
- Reflexão sobre as mensagens transmitidas, o que foi realmente dito, onde a mensagem se perdeu, através da análise do que cada elemento do grupo ouviu, e consequentemente transmitiu.
Contextualização da Prática – Avaliação/ Reflexão: No final da dinâmica foi realizada uma reflexão/ discussão onde foi pedido aos formandos que identificassem os seguintes pontos:
- Em que momento a mensagem foi distorcida?
- Quais foram os principais desafios encontrados durante a dinâmica?
- Quais as dificuldades de comunicação que identificaram?
- Como trabalhou o grupo para superar os desafios identificados?
- Quais foram as habilidades de comunicação desenvolvidas?
- Quais os parâmetros que podem ser melhorados?
- O que aprenderam sobre a comunicação interpessoal?
- Quais as habilidades desenvolvidas que podem ser aplicadas no âmbito pessoal e profissional?
- Como as diferenças culturais podem condicionar a comunicação?
Reflexão/Conclusão
Após realizar o exercício, a partilha entre os elementos surgiu de imediato. Cada elemento começou a expressar o que tinha ouvido, e consequentemente transmitido, tendo sido possível identificar com rapidez os momentos em que “se perdeu” a mensagem original. O grupo concluiu que existiram alguns desafios que dificultaram a comunicação, tendo estes sido ultrapassados com recurso ao humor e empatia, uma vez que todos conseguiram colocar-se no papel dos colegas que tinham ouvido (e consequentemente transmitido) a mensagem. Entre as conclusões mais profícuas podemos salientar:
- A existência de ruído externo (proveniente de outras salas) que dificultou a perceção sobre o que estava a ser ouvido.
- A rapidez/ lentidão na transmissão da mensagem (sendo que a rapidez dificultou o entendimento do que estava a ser transmitido), fator que deve ser tido em consideração quando pretendemos transmitir uma mensagem.
- O volume no qual a mensagem foi transmitida, alguns elementos alegaram que o volume no qual escutaram foi demasiado baixo, comprometendo o sucesso da transmissão da informação.
- A falta de concentração durante a dinâmica. Alguns formandos afirmaram que não estavam preparados, estavam a pensar em outra situação o que dificultou o entendimento.
- A dicção/ pronúncia na verbalização da mensagem, devido à heterogeneidade de nacionalidades existentes no grupo.
- Nas mensagens conhecidas a informação foi transmitida integralmente por todos os elementos do grupo. A mensagem a) abordava uma notícia recente, divulgada em todo o mundo. A frase b) é um conhecido trava-língua com o qual todos os elementos estavam familiarizados.
- As mensagens descontextualizadas e/ou contraditórias como as referidas nas alíneas c) e d), apesar de curtas, não foram transmitidas com sucesso. A frase da alínea f) constituía uma mensagem extensa e desconhecida, tendo sido rapidamente perdida a sua transmissão, logo nas primeiras reproduções entre os elementos do grupo.
A turma atingiu os objetivos propostos, tendo revelado a mobilização de competências no âmbito da comunicação interpessoal concluído que: A existência de ruído tanto interno (mental) como externo (do ambiente) pode dificultar a transmissão da informação que se pretende, sendo um fator a considerar para a eficácia da comunicação. O grau de complexidade da informação, a sua contextualização e o conhecimento do interlocutor sobre o tema é, determinante para o sucesso da comunicação e produção de feedback significativo. O tom e dicção revela-se um elemento diferenciador na expressão de ideias na comunicação interpessoal, podendo direcionar imediatamente para a natureza da mensagem (animadora, triste, desafiante, estimulante ou fatalista) podendo antever-se a natureza do seu conteúdo pela entoação que o emissor dá à mensagem. A recetividade para ouvir a informação é outro fator que pode condicionar o sucesso da assunção da mensagem, sendo essencial o desenvolvimento da escuta ativa e o afastamento de ideias pré-concebidas, ou de convicções enraizadas. É ainda relevante salientar a empatia e a gestão emocional como elementos essenciais ao trabalho em equipa e à comunicação bem-sucedida, diminuindo a frustração que pode ser sentida pela incompreensão da ideia/posição do outro.
Nesta dinâmica em particular, verifiquei que a formanda demonstrou grande entusiasmo, e uma participação muito ativa, tendo comentado que foi uma dinâmica muito interessante, na qual se sentiu incluída. Lembro-me que no início da dinâmica a Rita de imediato informou ao grupo qual o ouvido que possui melhor acuidade auditiva, de forma a poder participar ativamente na dinâmica. Foram testadas diversas frases, tendo a Rita ocupado diversas posições, na linha do “telefone estragado”. Recordo-me que nesse dia a Rita estava claramente satisfeita com a dinâmica realizada, tendo-me transmitido um feedback muito positivo sobre a iniciativa realizada. No âmbito da avaliação sumativa foi utilizado como instrumento uma ficha de avaliação em formato digital (doc.), formato no qual está habituada a trabalhar, tendo concluído com sucesso a demonstração de competências exigidas para a avaliação da UFCD.
Unidade de formação: Ética e Deontologia:
A segunda UFCD incidiu sobre as temáticas de Ética e Deontologia. Como instrumento de avaliação foi sugerida a realização de um trabalho de grupo sobre o tema: Deficiência e Acessibilidade à luz da Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Trabalho de Grupo
Neste trabalho pretendia-se que os formandos desenvolvessem o tema da deficiência e acessibilidade à luz da Declaração Universal dos Direitos Humanos onde deveriam relacionar o tema com os direitos consagrados e mobilizar esse conhecimento no âmbito da ética e da deontologia, explorando a dimensão comportamental da sociedade, nomeadamente situações de inclusão, integração, exclusão e segregação.
No âmbito da avaliação sumativa foi atribuído um peso de 20% ao trabalho escrito e 20% à apresentação a realizar em sala de formação.
Roteiro da Atividade Deficiência e Acessibilidade à luz da Declaração Universal dos Direitos Humanos:
- Leitura e análise da Declaração Universal dos Direitos Humanos, destacando os artigos relacionados com a deficiência e inclusão
- Realizar uma pesquisa sobre as barreiras à acessibilidade (transporte, urbanismo e tecnologia)
- Elaborar o trabalho escrito, considerando os conceitos a relacionar: ética, deontologia, integração, inclusão, segregação e exclusão
- Preparar a apresentação e discussão com a turma para identificar questões promotoras da acessibilidade e inclusão de todos
Objetivos:
- Compreender a relação entre deficiência e direitos humanos
- Analisar o papel da acessibilidade na garantia dos direitos das pessoas com deficiência
- Identificar as barreiras à acessibilidade enfrentadas pelas pessoas com deficiência
- Relacionar os conceitos de integração, inclusão, segregação e exclusão no contexto das pessoas com deficiência
- Relacionar a dimensão ética e deontológica da deficiência e da acessibilidade
- Explicar a importância da acessibilidade para todos, e não apenas para as pessoas com deficiência
Competências:
- Conhecimento da Declaração Universal dos Direitos Humanos
- Compreensão das questões relacionadas com a deficiência e acessibilidade
- Identificar as barreiras à acessibilidade e sugerir melhorias
- Capacidade de trabalho em equipa e colaboração
- Habilidade de comunicação, apresentação de ideias e soluções com clareza e objetividade
- Demonstrar pensamento crítico para avaliar as práticas relacionadas com a deficiência e acessibilidade
- Relacionar a importância da ética, deontologia e cumprimento dos direitos humanos no âmbito da deficiência e acessibilidade
Reflexão/Conclusão
O tema proposto foi desenvolvido com um sucesso extraordinário, tendo contribuído para a consciencialização da Acessibilidade enquanto direito de todos, e não apenas das pessoas com deficiência. Através do trabalho desenvolvido pela Rita (em conjunto com outros colegas) foi possível ampliar alguns conceitos como o direito à educação inclusiva de todos, acordo celebrado em 2006 na Convenção da Deficiência. À medida que o trabalho foi sendo construído, houve uma partilha de conhecimento bastante profícua, sobre questões como: o código de cores das bengalas (situação que me era totalmente desconhecida), e as normas de acessibilidade digital (situação que a Rita desconhecia), trazendo elementos enriquecedores para todo o grupo.
Íamos aproximadamente a meio do desenvolvimento da UFCD quando a Rita teve um acidente que a impossibilitou de continuar a comparecer às sessões presenciais. A Rita entrou em contacto comigo, colocando-me ao corrente da situação, manifestando o seu interesse em concluir o trabalho e realizar a apresentação, apesar de estar impedida de o fazer presencialmente. Lembro-me de ter sugerido à Rita a realização de um vídeo, ideia que inicialmente me pareceu ter considerado algo desconfortável. Posteriormente vim a perceber que havia algum receio por parte da Rita, do vídeo não ser percebido facilmente, no âmbito da dicção. Ultrapassada esta crença, após algumas conversas entre ambas, a Rita enviou-me a sua parte da apresentação em vídeo onde partilhou a sua experiência, transmitindo ao grupo a importância de considerarmos a acessibilidade como um direito de todos.
Estou convicta que este episódio contribuiu para a superação da “crença” que a Rita tinha, relativamente à não percetibilidade da sua dicção. Tendo ultrapassado o desafio proposto com clara distinção através da criação de conteúdo rico, relevante, impactante e sobretudo reflexivo sobre a temática da Acessibilidade.
Considerações finais:
No âmbito da minha reflexão, avalio esta prática pedagógica, como inclusiva (não obstante da necessidade de serem repensadas algumas das estratégias pedagógicas utilizadas), reflexiva (no sentido de promover a desconstrução em torno dos conceitos, nomenclaturas e preconceções no âmbito da deficiência e da Acessibilidade) e empoderadora (promovendo o desenvolvimento da comunicação assertiva e a superação de barreiras psicológicas e ideológicas, muitas delas, fruto da influência da sociedade).
Enquanto formadora, a minha experiência em contextos pouco visíveis é ainda reduzida, no entanto gostaria de deixar a sugestão de ser repensada a capacitação de formadores para questões que promovam uma prática pedagógica mais equitativa, ao invés de igualitária. A igualdade pode restringir o acesso de todos a todos os lugares, sejam eles físicos, virtuais, educativos ou profissionais. O papel da educação, do educador, da formação e do formador é essencial ao desenvolvimento de uma sociedade mais consciente, mais inclusiva, mais equitativa, que contemple uma mudança da praxis, que promova uma praxis respeitadora das idiossincrasias de todos e de cada um, que contribua para garantir os direitos humanos consagrados a toda a humanidade: o acesso, a qualidade, a continuidade e a igualdade de oportunidades para todos os cidadãos.
O meu percurso até aqui
Eu sou a Rita, tenho a Síndrome de Crouzon, uma doença rara que me tem afetado pessoalmente e profissionalmente por não ser muito conhecida. A Síndrome de Crouzon é uma malformação congénita, doença que compromete o desenvolvimento do esqueleto craniofacial.
Esta deformidade genética ocorre devido ao fecho prematuro das articulações que possibilitam mobilidade aos ossos do crânio e da face, resultando na perda precoce da flexibilidade das estruturas, ou seja, os ossos do crânio e da face de um bebé começam a fechar-se antes do tempo, obrigando as estruturas que ainda precisam de crescer a se alargarem para outras direções, o que causa malformações da cabeça e do rosto. São visíveis deformidades na cabeça, ossos faciais afundados, olhos salientes, testa larga, mandíbula subdesenvolvida, maxilar superior reduzido por fraca atividade de formação dos tecidos que origina dificuldades respiratórias, baixa visão, estrabismo, glaucoma, redução auditiva e infeções frequentemente, problemas digestivos, cardíacos, morfológicos (aparência da estrutura externa), anatómicos (estrutura interna) e de comunicação, anomalias dentárias, nariz de “bico de papagaio” e acumulação de líquido em excesso no cérebro.
Em dezembro de 1987 nasci em Coimbra, mas a minha doença não foi detetada, as ecografias não davam essa informação e os médicos também não. Dia 23 provocaram o parto, uma vez que já estava nas 42 semanas, apesar de saberem que tinha de ser cesariana, mas sem sucesso, no dia 24 queriam que a minha mãe fosse passar o Natal a casa, mas ela tinha dores e não foi, no dia 25 voltaram a provocar o parto, mas novamente sem sucesso.
No dia 25 ao final do dia finalmente nasci, de cesariana como sempre se previa, foi muito complicado, a minha mãe teve uma hemorragia muito grande e o organismo rejeitava as transfusões de sangue. Após o meu nascimento a minha mãe percebeu que eu tinha alguma deficiência, tinha malformação craniana, cabeça tombada para o lado, olhos salientes e maxilar superior recuado, mas os médicos diziam estar tudo bem. Quando tinha ano e meio de idade, numa consulta em Pombal, reencaminharam-me para o hospital pediátrico de Coimbra, onde me foi diagnosticada a Síndrome de Crouzon. Aos dois anos de idade fiz cirurgia craniana no hospital de Santa Maria em Lisboa, uma vez que só lá era possível. Nessa altura já tinha perdido a visão. Aos 27 anos fiz cirurgia ao maxilar, em Coimbra, cirurgia que estava prevista para quando terminasse o crescimento.
Na deficiência visual tal como nas outras deficiências há sempre pessoas dispostas a ajudar, mas também ainda existe muito preconceito. Muitas vezes as pessoas não sabem como prestar apoio, até porque não há informação, não há meios e pensa-se que a pessoa deficiente é inválida. Ao contrário do que se pensa, uma pessoa deficiente visual, por exemplo, consegue estudar numa escola de normovisuais, ter alguns empregos, fazer uma vida normal, fazendo apenas algumas adaptações.
Apesar dos meus problemas de visão, audição e má formação óssea, fiz a escola como todas as outras crianças, felizmente com muito apoio dos professores e colegas, mas tive quem achasse que não deveria estar ali por ser deficiente, no entanto eu com a minha persistência concluí o 12. ° ano com aproveitamento, apenas tinha que ter equipamentos para me auxiliar. Usava lupa TV que me ampliava os documentos, no entanto como estava ampliado não conseguia ver o documento todo de uma vez e isso fazia com que demorasse mais, assim como a escrever, então trazia sempre mais trabalho para casa, embora tivesse apoios na escola para colmatar isso, mas o meu horário ficava sempre muito mais preenchido, no entanto eu sempre me adaptei.
Há 14 anos que saí da escola, mas trabalho é difícil para todos, quem tem deficiência pior ainda, estou inscrita no centro de emprego, mas nunca me arranjaram emprego, ficar em casa não é para mim, então andei em formações, estágios, voluntariados, enfim nunca parei. Pensei em voltar a estudar, mas como tinha deficiência era mais difícil e a família ficava preocupada, no entanto apesar de não seguir os estudos fui para Lisboa tirar formação profissional, ainda tive instituições que meteram entraves, mas eu nunca desisti. No centro de formação fui bem aceite por todos, os colegas sempre me ajudaram e apoiaram, os formadores sempre se preocuparam em me integrar, demonstravam a matéria prática, ampliavam os documentos, faziam dinâmicas de grupo, enfim sempre estavam disponíveis para o que fosse necessário.
Numa das UFCD dinamizadas pela formadora Petra, uma das dinâmicas de grupo que realizei foi o telefone estragado, foi muito interessante, pois apesar da dificuldade auditiva que tenho consegui realizar a atividade, a formadora é excecional e contribuiu bastante para a equidade, e isso deixa-me muito satisfeita e motivada. Posteriormente tive de abandonar a formação, uma queda me deixou imobilizada por algum tempo, mas isto são coisas que podem acontecer a qualquer um, apesar disso ainda concluí um trabalho de grupo através de casa, para poder realizar a apresentação elaborei um vídeo onde falava sobre a minha deficiência e as acessibilidades, foi um trabalho que fiz com muito empenho e dedicação, pois é bastante importante sensibilizar as pessoas para que haja mais inclusão.
Todas as estratégias utilizadas foram bastante úteis para mim, no entanto, existiram algumas UFCD práticas dinamizadas por outros formadores que não foram possíveis adaptar, onde tive dificuldade em exercer algumas atividades, devido à minha má formação óssea, mas com a minha persistência e apoio de todos consegui. Outra das dificuldades que muitas vezes afeta as pessoas com deficiência, principalmente cegos, é a pesquisa de informação na internet, existem normas para a acessibilidade dos sites, tipo de letra, formatação, contraste de cores, mas infelizmente poucas vezes são cumpridas, o que impossibilita a leitura por um leitor de ecrã.
Foi muito importante para mim realizar esta formação, espero que existam mais formações com pessoas dispostas a incluir todos, pois eu logo que possa seguirei o meu sonho de terminar a formação e seguir uma vida normal dentro das minhas possibilidades.