Capítulo 10 – Regressar à “escola” aos 43 anos
Autores: Rita Relego e Sofia Malheiro da Silva
Palavras-chave: centro de estudos, currículo funcional, formação de adultos, Perturbação cognitiva
Citação: Relego, R. & Malheiro, S. (2023). Regressar à “escola” aos 43 anos. In M. Francisco, C. Tomás & S. Malheiro (Orgs.). 12 histórias educacionais: Ser diferente na diversidade. Práticas pedagógicas em contextos pouco visíveis. [Online]. LEAD, Universidade Aberta.
Estávamos no mês de outubro de 2017 e bateram-me à porta do Centro de Estudos. Desde 2010 que o mesmo funcionava com meninos ditos “normais”. Nunca me tinham procurado para dar respostas a alunos com deficiência ou com necessidades educativas especiais como na época ainda se chamavam. Naquele dia, esta situação podia mudar. A Rita perguntou-me o que se podia aprender ali. Depois de dadas todas as informações, garantiu-me que iria falar com a mãe porque queria muito aprender “coisas da escola” especialmente “Português, Inglês e outras coisas”.
Não foi preciso uma semana para reunir com a mãe e procurar que o centro de estudos desse resposta às motivações e necessidades demonstradas pela Rita e pela família.
Nascida em junho de 1974, numa família com pais e 3 irmãos também eles já adultos e a viver cada um em suas casas, a Rita habitava com o pai e com a mãe e as suas rotinas passavam pela frequência do CRID. Neste local, quer a mãe, quer a Rita sentiam que “puxavam” pouco por ela. Era importante aprender a manusear o dinheiro, a ver as horas, a escrever, a motivar-se para a leitura, a conviver com crianças e jovens ditos “normais”, a fazer amigos, a conquistar alguma autonomia e a aprender conteúdos disciplinares de interesse funcional para a sua vida.
Assim, num agendamento trissemanal, a Rita começou a frequentar o centro de estudos com sessões de 1h cada. Entre sessões de apoio individualizado, as sessões em que trabalhava com regime de par pedagógico com outros alunos do centro de estudos, do 3.º ao 9.º ano de escolaridade, as experiências iam sendo diversificadas, assumindo-se o cumprimento de um programa pedagógico de natureza funcional, que era implementado no centro de estudos, mas que tinha continuidade em casa, dada a motivação que a Rita sentia “pelas coisas da escola”.
Trabalhando com manuais escolares, com ficheiros autocorretivos, com materiais manipulativos, com jogos didáticos, com o computador, com o mural de parede, etc. vários foram os contextos e os pretextos associados a diferentes cenários motivacionais para desenvolver as competências funcionais da Rita.
Foi muito gratificante todo este processo. A Rita frequentou o centro de estudos até ao encerramento do mesmo, por motivos da pandemia COVID-19. No final deste percurso conseguimos que a Rita melhorasse de forma considerável as suas competências:
- de leitura, interpretação e compreensão escrita
- de escrita funcional;
- de leitura e interpretação das horas;
- no manuseamento do dinheiro (euro);
- no seu cálculo mental;
- motivacionais para apelar à leitura e à pesquisa;
- em diferentes conteúdos curriculares do ensino básico com aplicabilidade no seu dia a dia;
- Sociais e afetivas (criação de novas amizades);
- Comunicacionais (conquistou a comunicação pelas redes sociais)
Sentiu-se, tal como a mesma disse: “mais livre, com mais amigos e mais capaz de aprender coisas novas e diferentes”.
Foi muito compensador para mim, enquanto técnica superior de educação, ter recebido a Rita no centro de estudos e promover ao longo de 3 anos letivos esta inclusão complementar às atividades que a Rita desenvolvia no CRID, num mix de tentativa, experiência, erro, quer no que às opções curriculares dizia respeito, quer no que se relacionava com atividades a propor, estratégias a implementar, pares pedagógicos a associar, etc.
Na verdade, nunca é tarde para “voltar à escola” e, com boa vontade a “escola pode voltar para nós” adaptando diferentes cenários e diferentes contextos aos propósitos que idealizamos.