Capítulo 11 – Quando a dislexia deixa de mandar em nós!

Autores: Sofia Malheiro e Rita Baptista

Palavras-chave: centro de estudos, ludicidade, dislexia

Citação: Malheiro, S. & Baptista, R. (2023). Quando a dislexia deixa de mandar em nós. In M. Francisco, C. Tomás & S. Malheiro (Orgs.). 12 histórias educacionais: Ser diferente na diversidade. Práticas pedagógicas em contextos pouco visíveis. [Online]. LEAD, Universidade Aberta.

Relato da Sofia (centro de estudos)

A Carolina era uma menina tímida. Aproximou-se de mim e nada dizia. Cabeça baixa, olhos fixos no chão e o silêncio da sua voz gritava ajuda, pelas palavras da mãe. De relação fácil, carinhosa e meiga, a Carolina depressa estabeleceu relação comigo e, com propostas negociadas de tarefas, o verão terminava com a vontade de iniciar uma nova etapa de vida: o 2.º ciclo de escolaridade.

Com uma periodicidade trissemanal, o apoio psicopedagógico, ministrado no centro de estudos e em plena articulação com a família, centrava-se na adaptação dos conteúdos de língua portuguesa e de matemática em torno de atividades e tarefas lúdicas, pelas quais a Carolina era apaixonada. Desenhar, pintar, fazer bandas desenhadas, construir jogos de associação, escrita criativa, utilizar o computador, fazer um dicionário ilustrado, dominó de sílabas, escrita de pseudopalavras, leitura de histórias, construção de livros diversificados, enfim… tudo servia para fazer da aprendizagem uma fonte de motivação e prazer em contexto de centro de estudos. Com o passar do tempo começamos a trabalhar em estreita relação com a equipa de apoio na área da educação especial e da psicologia, da escola que frequentava. As atividades feitas no centro de estudo eram motivo e motor de produtos de estudo associados aos conteúdos curriculares não só da disciplina de Português e de Matemática, mas também acabaram por ser extensíveis às áreas curriculares disciplinares de Inglês, História e Geografia de Portugal e Ciências da Natureza.

Foi neste cenário de “vai e vem” em trocas triangulares entre família/escola/centro de estudos que ficaram definidas para a Carolina as seguintes estratégias:

  • Tempo extra para a realização da tarefa em contexto de sala de aula, podendo ter continuidade no centro de estudos ou em casa;
  • Ajustar a tarefa ao desempenho (bem-sucedido) da Carolina;
  • Promover a realização de um Plano Individual de trabalho (metodologia Escola Moderna) nas disciplinas nucleares (Português e Matemática);
  • Ajustar a avaliação de forma a não gerar frustração e potenciar a motivação;
  • Leitura dos enunciados, por parte de um adulto, em momentos de provas escritas;
  • Elogiar sempre o desempenho da Carolina, mas demonstrar que ainda pode fazer melhor;
  • Apelar ao cuidado brioso na escrita caligráfica, em relação ao tamanho, inclinação e desenho de letra, evidenciando que sabemos que consegue “fazer melhor” e “mais bonito”;
  • Valorizar produtos de estudo feitos na explicação (ex: cartõezinhos, jogos sobre os conteúdos curriculares, produtos de estudo diversificados), pedir para mostrar ao grupo/turma, elogiando.
  • Contemplar, na avaliação, ponderação para TPC’s realizados, produtos de estudo feitos no centro de estudos e em casa, caderno diário organizado e bem-apresentado e cadernos de atividades com fichas resolvidas;
  • A Carolina gosta de ajudar e tem “vergonha” de se expressar perante o grande grupo, foi interessante os professores pedirem a sua coadjuvação em “palco”, nas mais diversificadas tarefas de ensino, o que permitiu ir contrariando esta situação.
  • TPC’s ajustados às dificuldades da Carolina, em termos de potenciar o trabalho autónomo, promover a autoconfiança e, consequentemente, desenvolver o autoconceito e a autoestima.
  • Enunciados de exercícios faseados, isto é, uma questão de cada vez e, no caso da matemática, por exemplo, em enunciados que envolvessem mais do que uma operação em raciocínio encadeado, simplificando a apresentação do mesmo através de alíneas de operações individualizadas;
  • Uso de máquina de calcular para operações matemáticas, associadas à capacidade de desempenho e cálculo mental da Carolina;
  • Em textos / leituras de dimensão maior, fracionar a exigência por capítulo, com construção de guiões de leitura adaptados de forma a avaliar a efetiva compreensão do conteúdo.
  • Promover a construção individual, por parte da Carolina de um Glossário Temático nas disciplinas de HGP e de Ciências motivando-a para preparar esse recurso a tempo de poder ser distribuído pelos colegas para estudo destes e consequente preparação para os testes.
  • A Carolina precisava ser valorizada em contexto de grupo/turma para se conseguir expor em apresentações orais. Aqui foi combinada com a escola a estratégia de aceitar apresentações orais, previamente gravadas em vídeo, no centro de explicações. Hoje a Carolina já apresenta trabalhos ao grupo turma.
  • Promover e valorizar o preenchimento dos cadernos de atividades, considerando a ajuda da Carolina como fundamental para a construção de um ficheiro autocorretivo, por exemplo, a disponibilizar aos colegas da turma. Este processo contribuiu em muito para a promoção do autoconceito e auto estima da Carolina;
  • Solicitar à Carolina a construção de cartazes temáticos A3, para afixar em sala de aula, alusivos aos conteúdos curriculares a trabalhar, valorizando a exposição da aluna no contexto grupo/turma e alimentando a sua motivação para as aprendizagens;

Estas estratégias foram determinantes para a inclusão da Carolina em sala de aula, bem como para o sucesso da mesma nas diferentes fases do 5.º e 6.º ano de escolaridade que terminou com sucesso escolar pleno e com uma “nova” Carolina perante a escola e a aprendizagem, no final deste 2.º ciclo.

O centro de estudos permitia trabalhar, sozinha ou em pequeno grupo, de forma entusiasmada e significativa, alicerçada na psicopedagogia da ludicidade, dando um sentido valorativo a tudo o que a Carolina fazia ecoando no grupo turma em que estava inserida.

Relato da mãe

A Carolina quando começou a frequentar o 1.º ano, a professora falou comigo e disse-me que a minha filha tinha um problema fonológico. Eu disse que tinha duas sobrinhas que tinham dislexia e que poderia ser isso. Levei a Carolina a fazer uma avaliação com uma terapeuta da fala e o resultado foi que tinha dislexia grave. A Carolina andou a fazer terapia da fala no Hospital de Alcoitão. Quando transitou para o 2.º ano de escolaridade começou a ter apoio com uma explicadora que era também professora do 1.º ciclo do ensino básico. Começou a ter melhorias na escola, mas a motivação para a escola não era muita.

Depois veio a pandemia com as aulas online e foi realmente muito difícil e complicado para nós, pais, aqui em casa. Tentávamos ensinar a Carolina e ela teimava que não era assim, que a professora ensinava de outra maneira. Entretanto deu-se a transição para o 5.º ano e a entrada no 2.º ciclo do ensino básico. Foi aqui que conhecemos o centro de estudos e falamos com a Sofia. Notámos de imediato outro tipo de motivação na Carolina em relação à escola. Mais interesse por aprender. Começou a ter melhores notas e mais motivação para estudar. A Sofia está a fazer um ótimo trabalho com a nossa filha porque mesmo em casa ela gosta de dar continuidade às tarefas que faz com a Sofia no centro de estudos. A Carolina transitou com sucesso a todas as disciplinas do 5.º para o 6.º ano e, neste momento termina com sucesso o 6.º ano de escolaridade.