Capítulo 9 – Digitar apenas
com uma mão
Autor: Norberto Sousa
Palavras-chave: formação de informática, leitor de ecrã, mobilidade reduzida no membro superior esquerdo
Possível citação: Sousa, N. (2023). Digitar apenas com uma mão. In M. Francisco, C. Tomás & S. Malheiro (Orgs.). 12 histórias educacionais: Ser diferente na diversidade. Práticas pedagógicas em contextos pouco visíveis. [Online]. LEAD, Universidade Aberta.
Há alguns anos, na associação onde trabalho, recebi um pedido para iniciação à informática com leitor de ecrã por parte de uma pessoa com limitação numa mão. A experiência na habilitação em tecnologias de informação de pessoas cegas já era vasta, mas este era o primeiro do género.
Para definir um plano de Apoio faz-se um diagnóstico inicial, no qual se verifica se a pessoa já teve contacto com o computador, se sabe digitar ou se é necessário aprender ou rever a digitação ou se tem outros conhecimentos de informática na ótica do utilizador.
Neste caso a pessoa conhecia minimamente o teclado, mas não tinha velocidade nem noções de técnicas de digitação. A limitação na mão esquerda imobilizava-lhe os dedos e tinha muita dificuldade em movimentar a mão. Podia fazer alguns movimentos, mas apenas se fosse apoiada com a outra mão. A verdade é que uma pessoa cega tem que dominar bem o teclado para interagir com o computador uma vez que não é possível utilizar o rato eficazmente, nem consegue procurar e digitar só com um dedo como acontece com muitas pessoas que utilizam a visão.
Quem ainda escreveu com a máquina de escrever, lembra-se certamente dos cursos de datilografia em que o ponto de partida para digitar “profissionalmente” é a fila guia. Em qualquer teclado, a letra “F” e a letra “J” têm uma pequena saliência e, por isso, chama-se a essa fila a “fila guia”. Tem esta denominação porque a pessoa coloca o dedo indicador da mão esquerda no F e o indicador da mão direita no J e cada dedo fica posicionado sobre uma letra, ou seja, com a mão esquerda o indicador no F, o médio no D, o anelar no S e o mínimo no A; com a mão direita o indicador no J, o médio no K, o anelar no L e o mínimo no C de cedilha. Ainda nessa fila, o dedo do F vai para o G e o dedo do J vai para o H. A partir daí cada dedo vai à fila de cima ou à fila de baixo, à tecla respetiva.
Como esta técnica é também a ideal para uma pessoa cega dominar o teclado, tinha já vários materiais, mas preparados para a digitação com as duas mãos. Neste caso, teve que haver uma adaptação porque nunca tinha tido um caso com esta especificidade. Fiz então algumas pesquisas para encontrar informação sobre como escrever só com uma mão.
A única coisa que encontrei na altura, foi em inglês. Como felizmente sei inglês não foi difícil perceber a técnica. Utilizei essa técnica que consistia em colocar o indicador, neste caso, só a mão direita, no F e o mínimo no J e assim abranger o teclado praticamente todo, sem perder a referência da fila guia. Portanto, a pessoa se quisesse fazer o D ou o S era suficiente esticar o dedo indicador, se quisesse fazer o K e o L esticar o dedo mínimo, e se quisesse o A ou o C de cedilha que estão mais longe da mão avançava para um lado ou para o outro para chegar àquelas letras, mas sempre sem perder a referência do F e do J e aqui alternava entre, por exemplo, se fosse o A, o dedo mínimo que estava no J passava para o F e aí podia digitar o A ou podia subir do A para o Q que está acima do A ou para o descer para o Z que está abaixo do A. E, assim, nunca perdia a orientação.
A pessoa tinha bastante vontade e aprendeu rapidamente a técnica e, portanto, mais ou menos em 10 sessões conseguiu atingir uma velocidade bastante aceitável de digitação.
Além da agilidade na digitação, quando se utiliza apenas o teclado, é necessário utilizar teclas de atalho ou teclas combinadas para realizar algumas ações tanto do leitor de ecrã, como do próprio computador. A maioria destes comandos não são do leitor de ecrã, são do próprio sistema operativo, como por exemplo navegar de palavra em palavra, colocar a negrito ou até simplesmente para fazer as maiúsculas. Tudo simples se houver elasticidade suficiente para chegar de uma tecla de comando, Ctrl, Shift até uma letra, por exemplo Ctrl + n. No entanto, nesta situação com a utilização apenas da mão direita, tivemos de usar outras técnicas quando isso não era possível.
Utilizou-se as teclas presas do sistema operativo, pressionar durante algum tempo a tecla Shift para ativar, realizar o comando, por exemplo colocar a negrito, pressionar separadamente Ctrl e depois N, depois pressionar duas vezes Ctrl ou Ctrl e Alt até as teclas presas serem desativadas e continuar a trabalhar normalmente.
Outra técnica utilizada para situações como selecionar texto, onde temos que pressionar o Ctrl e o Shift e pressionar as setas para selecionar uma palavra ou parágrafo, ou (Ctrl + Home / Ctrl + End) ir para o fim do documento, ou início do documento, a pessoa apoiava a mão esquerda, com a ajuda da outra mão, no Ctrl e no Shift, conseguia prender as 2 teclas e assim conseguia agilizar o processo pois não precisava de ativar as teclas presas e depois fazer o comando e voltar a desativá-las.
Portanto, fomos alternando ferramentas e técnicas para dotar a pessoa de competências de digitação e de realização de comandos que lhe permitissem usar de forma eficaz o leitor de ecrã. Esta evolução positiva e até bastante rápida permitiu avançar para outras atividades, nomeadamente a gestão dos documentos no explorador do Windows e a navegação na Internet. A superação foi relativamente fácil, porque lá está, também é necessária vontade de quem está a aprender, e com as técnicas adequadas o caminho pode ser feito com sucesso.